Viver ou Prestar contas
- Adalto Luiz Chitolina
- 25 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Ouvi, há alguns dias, este comentário: “agora eu quero viver, não prestar contas”. A frase ecoou dentro de mim como um alerta. E eu me remeti às muitas leituras que venho fazendo sobre a questão da segunda fase da vida. Aliás, já tenho me expressado aqui, a este respeito.
Na verdade, não por imposição ou por outra razão qualquer, mas sim porque a vida é assim mesmo, passamos muito tempo preocupados com nossa prestação de contas, seja ela real, pressuposta, consciente ou inconsciente.
Até a metade da vida nós precisamos construir, conquistar, alcançar. Mas para isso faz-se necessário um empenho grande, uma contínua atenção ao que é externo, uma preocupação com o “como” vamos gastando nossas energias. É como se alguém de fora nos cobrasse isso. É provável que ninguém nos cobre, mas nós vivemos com esta cobrança interna feita por nós mesmos. São aquelas coisas assim: não posso gastar demais, não posso relaxar aqui, tenho de ser um bom pai, uma boa mãe, um bom marido, uma boa esposa, preciso ser um bom estudante, tenho que tirar boas notas, preciso conquistar esta vaga, sou obrigado a trabalhar mais para conseguir pagar as contas, e assim vai... os “tenho que”, os “preciso”, os “sou obrigado” vão se colocando na ordem do dia em nossa vida. Isso, sem falar nos “o que vão dizer”, ou, “o que vão pensar”. Ah, e tem também a preocupação em não “perder tempo”, e para tal é preciso sempre ter algo para fazer. Todos, pesados fardos que vamos nos impondo a nós mesmos e que acabam por nos tirar a alegria e a leveza da vida.
Pois, isto é o “ter que prestar contas”. Parece que há sempre um tribunal à nossa frente, disposto e pronto a nos condenar, caso não tenhamos sido aquilo que, no nosso entender, se espera de cada um de nós.
Com isso, vivemos muito mais segundo as expectativas que achamos que os outros têm a nosso respeito do que segundo o que nos cabe, de fato, na vida.
Afortunadamente, para quem chega lá, há a segunda metade. E agora, como dizia o meu interlocutor, podemos viver, não mais só prestar contas. Uma vez atingida esta segunda fase, felizmente, temos a oportunidade de rever o “como” foram gastas nossas energias até aqui.
Muitos de nós vamos compreendendo que tudo aquilo que achávamos que os outros esperavam de nós, não passava de uma espécie de fantasma que nós mesmos tínhamos criado. Afinal, cada um vive a vida que tem, não a dos outros. E, convenhamos, as expectativas que o outro tem a meu respeito não são problema meu. Se elas se realizam ou não, é algo que não me cabe resolver.
E então, finalmente, compreendemos que viver é outra coisa. Quando eu vivo, posso me permitir aquilo que me é saudável, me faz bem, sem precisar me condenar por isso. Eu posso desfrutar do que me traz satisfação, sempre em consonância com meus princípios e valores, sem pensar no que os outros vão dizer. Eu posso dispender algum tempo sem ter uma ocupação específica e ficar em paz comigo. Ou seja, eu posso ser eu, como desde o princípio eu fui chamado a ser. Em outras palavras, eu não preciso prestar contas...
Eu mantenho os meus compromissos, a minha responsabilidade assumida, mas desempenho tudo com mais liberdade, com mais leveza, com menos rigidez. Até os meus erros, agora podem ser compreendidos e perdoados. Não preciso mais seguir aquele “catálogo” interno de prescrições que eu me tinha estabelecido na primeira metade dos meus anos. Agora eu posso seguir o fluxo da vida que vem de dentro de mim mesmo. Não é mais o externo que me guia e conduz, mas é o interno, o mais profundo de mim que se torna meu mestre e orientador. As expectativas dos outros já não me dizem mais respeito. Se são deles, eles que lidem com elas, não eu!!!
Adalto Luiz Chitolina
Jornalista – MTb: 4473/18/113
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