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  • Adalto Luiz Chitolina
  • 10 de out. de 2020
  • 2 min de leitura

Vida e existência...

Basicamente são dois processos que caracterizam um ser vivo. Um chama-se vida e o outro existência.

O primeiro é puramente biológico. Depende exclusivamente do corpo em que ele está se manifestando. Qualquer ser vivo é portador dele, e dele todos devem cuidar, zelar, primar pela sua conservação. E toda criatura busca viver com a melhor qualidade, dentro das possibilidades que lhe são oferecidas.

Já, o segundo, a existência, é um processo mais complexo. Ele não depende só do biológico. Ele compreende questões mais profundas, como o sentido, a vontade, a escolha, a liberdade, atributos que são encontrados apenas nos seres humanos. Por isso que eu disse acima que, qualquer ser vivo é portador do processo chamado vida. Mas não se pode falar em existência em todo ser vivo. De existência, apenas os seres humanos falam.

Viver exclusivamente o processo chamado vida, é muito pouco. Claro, já é bastante e acho até que é muito viver, mas aqueles que apenas vivem, não se distanciam muito do que é próprio dos animais.

A existência é uma proposta que vai muito mais além. Nela estão raízes da nossa essência voltada ao Transcendente. Por isso que existir é mais que viver. Existir é distanciar-se da condição animal, para fazer valer o estar no universo. Um animal, vive, se desenvolve e morre. Um ser humano, vive, cresce, amadurece, ama, se volta para Quem o criou e busca se transformar em alguém muito melhor.

Quem apenas vive, satisfaz instintos de sobrevivência, o que, obviamente, é extremamente necessário para a manutenção do processo.

Quem existe, além disso, se guia para além de si próprio, e busca o que o pode tornar mais do que é. Quem existe dá sentido à própria vida. Quem existe não se contenta com a mera evolução natural do seu corpo biológico, mas busca desenvolver o que há de mais profundo e mais elevado em si. Quem existe, a cada passo busca a união mais profunda com o Transcendente. Quem existe, não apenas sabe que tem vida, mas tem consciência de que precisa avançar, crescer, se desenvolver em todos os sentidos, seja física, mental, psíquica e espiritualmente.

Note-se que este caminho existencial não se faz com a mera sucessão dos anos e do desenvolvimento biológico, mas se faz com a consciência da responsabilidade de dar significado ao fato de se estar aqui neste universo, neste momento da história.

Viver é lindo, é nobre, é sagrado, pois a vida é um dom.

Mas existir vai mais além. Existir é deixar transparecer em nós a presença do Divino que nos criou e nos colocou aqui.

É claro que a existência supõe a vida. Não se poderia existir sem viver. Mas também é claro que se pode apenas viver, condição bem mais fácil.

O processo vida exige apenas os cuidados pela sua manutenção, não mais do que isso. Já, o processo existência, nos pede empenho, participação, responsabilidade pelas escolhas, compromissos conscientes, dedicação e algumas renúncias. Tudo bem mais difícil e exigente.

Adalto Luiz Chitolina

Jornalista

 
 
 
  • Adalto Luiz Chitolina
  • 26 de set. de 2020
  • 13 min de leitura

Participação na 42ª Semana Teológica promovida pelo DAST, em parceria com o STUDIUM, Instituto de Teologia – Faculdade Claretiana.

Saúde mental e Bioética - Cuidados com a dimensão humano afetiva.

Quando falamos em saúde mental, de imediato vem-nos à mente um conceito já internamente estabelecido, que normalmente coincide com aquele da loucura, ou dos intensos e graves desvios ou transtornos mentais.

E sim, pode ser isso, mas não necessariamente só isso.

Me proponho, neste privilegiado espaço, alargar um pouco mais o conceito e trazer-lhes uma percepção mais concreta do que pode ser mentalmente saudável, ou doentio. E ao fazer isso, penso especificamente num contexto eclesial, no qual estamos inseridos enquanto futuros presbíteros da Igreja, ou enquanto membros ativos dela.

Diria até que, ser ético com pessoas doentes não é lá tão difícil. Em termos de saúde mental, os psiquiatras se governam por uma ética própria, e nisso unem a ética e a biologia, que é a bioética.

Uma religiosa, um religioso, um sacerdote, no trato com pessoas doentes, certamente se governarão pela ética, respeitando o momento biológico que o indivíduo está vivendo, e nisso, novamente, estará a bioética.

No entanto,

Há algumas situações particulares e muito pessoais em que o conceito de ética parece não nos tocar. Não falo de doença, pois em princípio, nós somos saudáveis. Falo sim, das nossas escusas para nos mantermos numa posição acomodada sem o devido e necessário empenho para um amadurecimento verdadeiro à luz do que o Evangelho nos pede.

Nestes casos, estaremos sendo éticos de verdade? Um sujeito que não busca a maturidade pode se considerar alguém que age com ética? Alguém que se esconde atrás de sua condição (seja ela qual for) e não avança no seu crescimento interior, está agindo de maneira ética?

Note-se que o discurso da bioética é muito importante, válido e necessário. Porém, ele corre o risco de ser apenas um discurso voltado para fora, para as situações exteriores a nós. Posso muito bem respeitar os 4 princípios básicos da bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, em relação aos outros, sem, contudo, me envolver pessoalmente neste processo.

E é nesta direção que eu quero seguir minha reflexão.

1. Temos o conceito de saúde mental próprio da psiquiatria, que toca diretamente na saúde ou na doença mental. Aqui estão compreendidas as psicoses, os estados limítrofes e as neuroses. São os casos que demandam cuidado específico, mais acurado de acordo com a gravidade maior ou menor da doença.

Em se tratando da psiquiatria, entramos diretamente no campo da medicina e portanto, estamos sujeitos à avaliação clínica de um profissional preparado para tanto. Não há muito espaço para outras interpretações.

De modo mais direto ainda, no caso da psicose ou dos transtornos de personalidade instável (borderlines), há comprometimento grave de sua conduta, no que tange à própria responsabilidade, ainda mais agravado quando em crise (surto).

Este é o conceito psiquiátrico.

A linha estende-se da normalidade à patologia. Note-se que é um conceito restrito. Quando há saúde, temos uma condição, mas quando há doença, a condição muda. E, por consequência, o modo de tratar com estas pessoas também precisa mudar.

2. Saindo do campo da psiquiatria, podemos buscar a compreensão do termo “saúde mental” em outras instâncias.

E agora, não estamos mais no campo “restrito” da psiquiatria, portanto, vou me permitir ampliar o horizonte de compreensão deste conceito.

Manterei como pano de fundo, o fato de que ao longo do século XX, a bioética se volta a um novo estilo de gestão da vida e da morte, do corpo e da sexualidade.

Quero olhar a saúde mental, dentro da normalidade de uma pessoa, onde não estão implícitos os déficits próprios da patologia. Portanto, falo de nós mesmos, enquanto seres mentalmente saudáveis.

Se quisermos ser ainda mais precisos, tomemos este conceito de saúde mental (fora da patologia) para a Igreja (nossos seminários, conventos, comunidades, paróquias, etc).

3. Ainda que estruturalmente, na organização de sua personalidade, alguém possa ser classificado como dentro da normalidade, veremos que ser saudável mentalmente vai implicar em algumas posturas reais bem concretas.

4. Comecemos falando da Força do Ego.

Aquela força que vem de dentro do sujeito e que o faz capaz de colocar-se diante da vida assumindo as consequências de suas escolhas.

Um sujeito com o Ego fraco, frágil, mesmo que faça escolhas corretas, corre o risco de não ser consequente com a escolha feita. Será alguém que apresentará inconsistências comprometedoras em sua vida; mediante alternativas mais atraentes (sob qualquer ótica), não terá onde buscar a força para lutar contra seus impulsos que brotam de dentro dele e por ter um Ego fraco, se deixará levar. É o exemplo daquele que, mesmo com a escolha de uma vida de consagração, não tem forças internas para resistir às propostas provocativas de uma conversa nas redes sociais e acaba por se envolver compremetedoramente com alguém.

Não é o caso de maldade. Nem mesmo de doença mental. Mas é uma pessoa com um Ego fraco. Pode ter muitas virtudes, muitos dons, mas sua condição de fraqueza ou fragilidade egóica o fará sofrer muito.

Notem, é alguém com saúde mental (se tomarmos o conceito restrito da psiquiatria), mas com um comprometimento de suas atitudes futuras. Do ponto de vista ético, este sujeito terá grandes dificuldades, não obstante a “graça de Deus” que sempre acompanha Seus filhos.

5. Na esteira do que acabo de dizer, das pessoas com um Ego fraco, está a capacidade de enfrentamento.

A vida exige de cada um posicionamentos decididos e firmes. Há desafios a serem enfrentados. Não podemos nos iludir ou fantasiar sobre a amenidade do que vamos viver.

A vida é séria. Seremos exigidos. Acontecerão eventos e fatos que nos colocarão em choque diante do existir. Nossas decisões serão questionadas, nossas escolhas serão postas à prova. E não poderemos contar com a “mãe salvadora que nos tomará ao colo”. Serão as nossas próprias forças que deverão nos valer nestes momentos.

Ter a capacidade de enfrentar desafios, contestações, calúnias, humilhações, provações, seduções, incompreensões, solidão e outras tantas situações mais, é algo de que não seremos poupados.

Ter saúde mental (psiquiatricamente falando), ainda não é o passaporte necessário para isso.

Entenda-se: há que haver uma capacidade sólida construída, para enfrentar o que a vida nos propuser.

6. Capacidade de resiliência.

Cair, encontrar obstáculos, superar dificuldades, deparar-se com situações adversas, passar pela dor, ter perdas, sentir-se como que esmagado em algum momento, são todas condições inevitáveis na vida.

Sem uma efetiva capacidade de resiliência para poder se retomar diante do ocorrido, não haverá caminho.

Muitas vezes seremos convocados a nos “reinventarmos” diante do que nos ocorre, mas apenas os resilientes conseguirão dar este passo.

7. Ser capaz de suportar a frustração.

Todos temos desejos pessoais, todos temos projetos, todos nos empenhamos naquilo que acreditamos. Contudo, nem tudo resulta naquilo que foi pensado, projetado ou programado.

Nem todos nos compreenderão naquilo que estamos empenhados.

Haverá quem nos interprete de forma completamente errônea e por isso nos condenará.

Em outras palavras, não nos é garantido o sucesso o tempo todo.

Para estes momentos, precisaremos buscar dentro de nós a força necessária para suportar a frustração. Senão, o caminho da compensação será a fuga inevitável.

8. O domínio de si.

Ligada ao tema da disciplina está a capacidade de domínio de si mesmo. Há um jogo dentro de nós, entre a força da nossa condição animal (animalidade, instintualidade) e a nossa condição de humanidade desejosa de transcendência. Conter-se diante dos instintos vai exigir de cada um atitudes de domínio de si próprio. Não é suficiente a boa intenção, urge a necessidade de autocontrole, resultado de atos de autodisciplina que cada um vai aprendendo a desenvolver ao longo de sua vida.

9. Autoconhecimento.

A história pessoal de todo indivíduo é sagrada. Marcada pelos fatos, episódios, traumas, acontecimentos, experiências, enfim, por aquilo tudo que lhe foi acontecendo ao longo de seu desenvolvimento. Nem tudo foi buscado, e nem mesmo tudo foi desejado da maneira como aconteceu. Mas é a história. E história não se muda, no máximo se interpreta.

Conhecer, tomar contato com a própria história pessoal, com aquilo que lhe marcou indelevelmente para o todo de sua vida é um ato, não raro, heroico. Apenas corajosos se embrenham nisto. Há muita compensação ilusória e fantasiosa na postura da vítima, do sofredor, do coitadinho. E aqui, muitos param, contentando-se com as migalhas afetivas que lhes advém das pessoas que entram na sua dinâmica.

Ora, toda história tem sucessos e fracassos. Por mais que aqueles que nos criaram tenham tido reta intenção, eles só tinham os elementos que eles conheciam, de consequência, algumas coisas não saíram tão bem.

Mas, empatar a vida num rosário de lamentações e queixas por conta da história que me foi reservada, não parece ser a postura saudável para quem busca amadurecer.

Pior, há quem não se conheça, e por isso mesmo, sem se dar conta, segue os ditames daquilo que lhe aconteceu, repetindo ciclos de violência, desonestidade, abusos, culpabilidade, boicotes e por aí afora.

Tomar sua própria história nas mãos é a condição sine qua non para uma maturidade adulta e responsável, ingredientes indispensáveis para uma conduta ética.

Mais ainda. Quando olho para minha história, quando tomo contato com ela, quando me aproprio do que é meu, sem delegar responsabilidades ou sem culpar ninguém, pelo que sou, isso me faz descobrir as minhas forças, e ao mesmo tempo, tocar nas minhas fragilidades.

10. Capacidade de autodisciplina

Pessoalmente faço uma distinção prática e didática entre disciplina e autodisciplina.

Disciplina é aquilo que me é dado de fora. Leis, regras, regulamentos, normas, horários, códigos etc. Tudo isso vem de fora. E, normalmente, ao não cumprimento disso corresponde uma punição, de alguma forma.

O problema é que, toda disciplina pode ser burlada. Desde que eu tenha certa garantia de que não serei descoberto ou flagrado, posso ser tentado a burlar... Exemplo disso é o sujeito que está num semáforo com luz vermelha... se não houver câmera, não houver fiscalização e não houver movimento nos outros sentidos, a depender de sua pressa, ele vai burlar a norma, a disciplina. Ou, quando o superior não está, quando o professor não vê, quando ninguém me conhece, quando ninguém sabe quem sou, etc...

Já, a autodisciplina não vem de fora. Ela vem de dentro. Sou eu que me determino que, a partir deste momento vou tomar tais e tais atitudes. Não há uma obrigação, uma lei ou norma externa, mas eu me sinto compelido internamente a agir desta maneira, a partir de minhas convicções. Obviamente que, a autodisciplina ninguém burla, pois seria enganar-se a si mesmo, o que redundaria numa perfeita idiotice.

É de se notar que a disciplina, por si só, não leva ninguém ao amadurecimento e ao crescimento. Ela apenas contém os impulsos, normatiza as coisas, estabelece regras necessárias para a convivência social. Já a autodisciplina oferece a possibilidade de crescimento e amadurecimento, não apenas estabelece leis.

11. Consciência de si

Estamos muito acostumados com o conceito de consciência moral. E é muito importante que ela faça parte de nosso existir. No fundo, é ela que vai nos direcionando nas nossas opções. Uma consciência bem formada nos ajuda a sermos mais íntegros.

Todavia, me refiro aqui a um outro conceito de consciência. É a consciência de si mesmo, a autoconsciência, o saber-se enquanto um ser humano criado. É dar-se conta de si próprio, de suas forças e limites. É saber que tenho responsabilidade perante a vida, para além das questões de moralidade. É ter claro que eu preciso realizar no meu existir um projeto de vir-a-ser, que me foi confiado.

Transitar apenas entre as normas de moralidade, por mais que seja justo e desejado, parece ainda não tocar na plenitude da dignidade que eu posso vir a ser.

Consciente de mim, torno-me responsável pelas condutas, que deveriam ser sempre em direção ao vir a ser mais ser humano, que é o que se espera de mim enquanto existência. Mas sem consciência de mim mesmo, estarei sempre no limite do que me é permitido, de fora, submisso a leis... E esta é a pobreza da existência do ser humano.

12. Ser capaz de postergar prazeres

Uma das belezas da vida é a possibilidade que nós temos de desfrutar dos prazeres. É pena que para muitos cristãos o prazer se resume a sinônimo de pecado. Explicam-se as vidas amargas...

Mas a maturidade implica também a capacidade de adiar prazeres imediatos em função de algo que ainda está por vir. É próprio da criança o não ser capaz de adiar o desfrute do prazer, não do adulto. Quando um adulto não é capaz de adiar um prazer, estamos diante da infantilidade ou da animalidade. Excetuando-se as incapacitações mentais (próprias da patologia – psiquiatria), qualquer adulto deveria ser capaz de postergar prazeres.

Diferentemente do que se escuta e até se afirma, de que “não dá para evitar”, ou “não consegui me conter”, há que se considerar o quanto de crescimento e amadurecimento aconteceu nestes casos. Um animal necessariamente segue os ditames de sua natureza biológica, mas um ser humano pode lançar mão de sua capacidade de espiritualidade, isto é, de sua razão, inteligência, liberdade, vontade, decisão, escolha...

13. Clareza de conceitos: namoro, amizade, intimidade.

Para minha surpresa, conceitos que sempre julguei tão claros, até mesmo em pessoas com um bom grau de cultura e intelectualidade, mostram-se confusos. Levadas em consideração as distorções dos nossos tempos e das sempre buscadas conveniências pessoais, me parece importante esclarecer:

Namoro é uma relação em que dois sujeitos buscam um mútuo conhecimento para um futuro compromisso de vida a dois (não me atenho à questão de gênero). A proximidade física, para esta relação é algo muito importante e necessária, pois é o esboço do futuro que precisa ser entendido. Num namoro, algumas posturas são compreendidas. No namoro, carinho, toques físicos (não necessariamente eróticos), intimidades fazem parte da relação.

Já, a amizade segue uma outra direção. Amigos não precisam estar sempre juntos, próximos fisicamente. Amizade não supõe carinho, toques físicos, intimidades... Pode até acontecer alguma expressão de afeto, mas ela será muito diferente das expressões próprias dos namorados.

O termo intimidade também precisa ser mais bem compreendido. Uma coisa é eu ter uma relação de proximidade em que as minhas coisas mais íntimas, mais pessoais, mais profundas são partilhadas com alguém. Bem outra é eu ter intimidade com o outro, onde os limites são violados. Uma coisa é a intimidade própria da amizade (somos íntimos, nos conhecemos a fundo), outra coisa é a intimidade do namoro, do casamento, do casal, a eroticidade (mesmo que apenas insinuada nas redes sociais) ...

Mas quando estes conceitos se misturam, as coisas tomam proporções assustadoras.

14. Compreensão da sexualidade como um valor.

A lei mais elementar de toda a natureza é a complementariedade. Vegetais são complementares (macho e fêmea), animais são complementares (macho e fêmea) e os seres humanos também estão submetidos a esta lei (somos masculino e feminino). Portanto, é da natureza a busca do complemento.

Aqui entra a sexualidade. Não é algo demoníaco, maldoso. É algo bom em si mesmo. Ser um sujeito com atração, desejo, excitação sexual é perfeitamente normal. O anormal é não sentir nada!

Contudo, quando a sexualidade passa a assumir na vida de alguém, apenas a função de prazer compensatório, entramos num campo minado.

Combater a sexualidade nas suas expressões mais concretas como pornografia, masturbação, relação sexual, tem se tornado o foco. E isto me preocupa. É como a febre no organismo. A febre sempre alerta para uma infecção ou inflamação. Não se combate a febre, mas se busca a inflamação que está causando esta febre.

A sexualidade de per si é um valor. É algo sagrado, divino. É bonita. Mas quando ela desempenha a função de compensação passa a ser condenável. O pecado não está na sexualidade, mas no modo como eu a vivo.

15. O afeto como algo necessário, mas que não se compra nem se vende.

Dentre as mais evidentes necessidades que o ser humano vivencia, está a necessidade de afeto. Querer afeto, desejar afeto, buscar afeto é algo muito normal, contudo, quando alguém depende dele para sobreviver, já não é mais tão normal. As pessoas adultas encontram o afeto na ordinariedade da vida, sem precisar viver caçando oportunidades para compensações afetivas. Pessoas maduras sabem ler sinais de afeto no cotidiano onde estão inseridas. Enquanto as pessoas imaturas, além da insegurança por nunca saberem se estão agradando e em troca merecendo o afeto, são muito dependentes. Não se sustentam por si mesmas.

Quando eu preciso ser aprovado, ser aceito, ser reconhecido, é muito provável que eu passe a ser muito o que os outros esperam, e menos o que eu de fato sou.

16. Ser livre, mas capaz de responsabilidade

Todos gritam pela própria liberdade. Poucos, contudo, entendem que não existe liberdade fora do binômio “Liberdade e Responsabilidade”. A liberdade sem responsabilidade torna-se safadeza, exploração, e o que a isto se agrega. Uma pessoa só é mesmo livre quando assume a responsabilidade sobre aquilo que escolhe na sua liberdade. É fácil ser livre sem ter responsabilidade. Evidentemente, responsabilidade aqui não significa aquilo que me obriga. Antes, é aquilo que foi escolhido livremente, ainda que não seja de imediato algo agradável.

Estar onde estou é consequência de alguma escolha que eu fiz anteriormente. Portanto, não sou obrigado a estar, mas tenho a responsabilidade de estar.

Por exemplo, eu não tenho a obrigação de estar na aula (mesmo aquela que eu não gosto), mas eu tenho a responsabilidade de estar nela, pois é uma das consequências da escolha que eu fiz de trilhar determinado caminho.

Um cristão não tem obrigação de ir à missa. Ele tem a responsabilidade pela vivência de sua fé. Claro, ele é “livre” para ir ou não ir (no sentido de que não há coação). Porém, antes disso, ele responde pelo seu próprio crescimento na caminhada de fé.

Uma religiosa não é obrigada a viver seus votos. Ela tem a responsabilidade de viver coerentemente com aquilo que livremente escolheu em algum momento de sua vida. Um padre não tem a obrigação de viver o seu celibato. Ele tem a responsabilidade de ser coerente com sua escolha livremente feita em algum momento de sua vida, (quando ele escolheu, ele sabia que esta era uma condição, e, na liberdade escolheu) pois se assim não for, ele terá sempre o fardo da obrigação e nunca a leveza da escolha.

17. Busca de Transcendência

Em todo ser humano há um desejo inato de transcendência. Mas enquanto desejo ele não se efetiva por si só. É preciso um esforço, um empenho pessoal para que este desejo se torne atualizado.

A ilusão de que ele vai acontecer sozinho tem derrubado muita gente. Este é um caminho a ser empreendido pessoalmente.

Assim que, cada um precisa fazer este esforço de busca da Transcendência. A graça assiste a todos, mas supõe o esforço pessoal.

Ir para além de mim mesmo, dos meus desejos, das gratificações e satisfações não é, certamente a coisa mais fácil. Todavia, a maturidade supõe isto.

18. Alguém que busca interioridade, não apenas cumpre obrigações religiosas...

Particularmente tenho feito uma distinção (muito grosseira até) entre reza e interioridade; ou, entre oração e vida interior.

Enquanto formos pessoas que se contentam com o prescrito, com o estabelecido, certamente seremos pessoas dignas da graça de Deus. Contudo, a verdadeira conversão, ou transformação de vida não soe acontecer apenas a partir disso.

Uma vida de interioridade, e busca do encontro com o Senhor, vai me exigir ir um pouco mais além do estabelecido.

Interioridade supõe encontro. E encontro supõe disposição interior, silêncio, solidão, escuta.

O Senhor, ordinariamente não se manifesta no barulho, antes, na suavidade de uma brisa (Elias no monte Horeb).

Aliás, Deus não fala aos ouvidos, apenas sussurra ao coração.

Como se vê, e eu espero ter sido compreendido assim, tratar da bioética em relação à saúde mental (conceito psiquiátrico) não é lá tão complicado. Diante de uma pessoa portadora de transtornos mentais graves eu sei como devo me portar, pois entendo o seu limite.

Porém, tratar de posturas éticas dentro da normalidade da vida, considerando a saúde mental da normalidade psiquiátrica, vai um pouco mais além.

Não ter feito um caminho de crescimento ou amadurecimento pessoal na própria existência, certamente limitará as minhas ações concretas.

O que eu queria lhes mostrar é que, mesmo sendo pessoas mentalmente saudáveis, nós podemos tratar as questões éticas e bioéticas (em relação aos outros), de forma muito limitada e comprometida.

E eu sempre me pergunto: como alguém vai tratar eticamente as questões externas, se internamente não fez esta experiência? Apenas pela lei?

Como alguém pode querer lidar de forma ética com questões que lhe serão apresentadas, se ele mesmo, ao longo de sua vida não tem sido ético em relação a si e aos seus compromissos livremente assumidos? Entenda-se aqui, por exemplo: uso correto do tempo, empenho no caminho de uma vida de interioridade, abuso de álcool, posturas de autoritarismo, atitudes de exibicionismo (que mais beiram ao narcisismo), culto do corpo, envolvimento em situações dúbias nas redes sociais, permissivismo em relação à própria sexualidade...

Enfim, tais questões nos devem trazer de volta à realidade.

A ética e a biologia não se separam, mas a ética e a psicologia, a ética e a escolha de vida, a ética e as condutas pessoais também não podem ser separadas.

Adalto Luiz Chitolina

Jornalista, Teólogo e Mestre em Psicologia.

 
 
 
  • Adalto Luiz Chitolina
  • 25 de set. de 2020
  • 3 min de leitura

Ouvi, há alguns dias, este comentário: “agora eu quero viver, não prestar contas”. A frase ecoou dentro de mim como um alerta. E eu me remeti às muitas leituras que venho fazendo sobre a questão da segunda fase da vida. Aliás, já tenho me expressado aqui, a este respeito.

Na verdade, não por imposição ou por outra razão qualquer, mas sim porque a vida é assim mesmo, passamos muito tempo preocupados com nossa prestação de contas, seja ela real, pressuposta, consciente ou inconsciente.

Até a metade da vida nós precisamos construir, conquistar, alcançar. Mas para isso faz-se necessário um empenho grande, uma contínua atenção ao que é externo, uma preocupação com o “como” vamos gastando nossas energias. É como se alguém de fora nos cobrasse isso. É provável que ninguém nos cobre, mas nós vivemos com esta cobrança interna feita por nós mesmos. São aquelas coisas assim: não posso gastar demais, não posso relaxar aqui, tenho de ser um bom pai, uma boa mãe, um bom marido, uma boa esposa, preciso ser um bom estudante, tenho que tirar boas notas, preciso conquistar esta vaga, sou obrigado a trabalhar mais para conseguir pagar as contas, e assim vai... os “tenho que”, os “preciso”, os “sou obrigado” vão se colocando na ordem do dia em nossa vida. Isso, sem falar nos “o que vão dizer”, ou, “o que vão pensar”. Ah, e tem também a preocupação em não “perder tempo”, e para tal é preciso sempre ter algo para fazer. Todos, pesados fardos que vamos nos impondo a nós mesmos e que acabam por nos tirar a alegria e a leveza da vida.

Pois, isto é o “ter que prestar contas”. Parece que há sempre um tribunal à nossa frente, disposto e pronto a nos condenar, caso não tenhamos sido aquilo que, no nosso entender, se espera de cada um de nós.

Com isso, vivemos muito mais segundo as expectativas que achamos que os outros têm a nosso respeito do que segundo o que nos cabe, de fato, na vida.

Afortunadamente, para quem chega lá, há a segunda metade. E agora, como dizia o meu interlocutor, podemos viver, não mais só prestar contas. Uma vez atingida esta segunda fase, felizmente, temos a oportunidade de rever o “como” foram gastas nossas energias até aqui.

Muitos de nós vamos compreendendo que tudo aquilo que achávamos que os outros esperavam de nós, não passava de uma espécie de fantasma que nós mesmos tínhamos criado. Afinal, cada um vive a vida que tem, não a dos outros. E, convenhamos, as expectativas que o outro tem a meu respeito não são problema meu. Se elas se realizam ou não, é algo que não me cabe resolver.

E então, finalmente, compreendemos que viver é outra coisa. Quando eu vivo, posso me permitir aquilo que me é saudável, me faz bem, sem precisar me condenar por isso. Eu posso desfrutar do que me traz satisfação, sempre em consonância com meus princípios e valores, sem pensar no que os outros vão dizer. Eu posso dispender algum tempo sem ter uma ocupação específica e ficar em paz comigo. Ou seja, eu posso ser eu, como desde o princípio eu fui chamado a ser. Em outras palavras, eu não preciso prestar contas...

Eu mantenho os meus compromissos, a minha responsabilidade assumida, mas desempenho tudo com mais liberdade, com mais leveza, com menos rigidez. Até os meus erros, agora podem ser compreendidos e perdoados. Não preciso mais seguir aquele “catálogo” interno de prescrições que eu me tinha estabelecido na primeira metade dos meus anos. Agora eu posso seguir o fluxo da vida que vem de dentro de mim mesmo. Não é mais o externo que me guia e conduz, mas é o interno, o mais profundo de mim que se torna meu mestre e orientador. As expectativas dos outros já não me dizem mais respeito. Se são deles, eles que lidem com elas, não eu!!!

Adalto Luiz Chitolina

Jornalista – MTb: 4473/18/113

 
 
 

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